Paris, Sida e Voguing - Paris is really burning



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Paris 2 dezembro 2017. Bairro do Marais, final do dia. Algures pelo final da Rue des Rosiers sente-se uma vibração. Primeiro um rumor, cada vez mais alto, até se sentir uma batida de música eletrónica, algo entre música africana e hip hop dos anos 80. Curiosa, aproximei-me de onde me parecia vir o som. Pessoas saíam e entravam num edificio, o Hall des Blancs Manteaux. Segurança à porta, como em todo o lado em Paris, agora. Entrei. Algumas figuras chamaram-me a atenção pela indumentária e atitude. Parecia que tinha caído dentro de um cenário de filme dos anos 80. Homens vestidos de vinil, correntes douradas ao pescoço. Mulheres com cabelos e saltos altos exageradíssimos. Vendo melhor, não eram mulheres. A música vinha do centro de uma sala onde uma pequena multidão se acotovelava para ver um espectáculo. Era díficil ver e subi umas escadas para poder ver melhor o que se passava. Era uma mistura de passerelle, pista de dança e competição atlética. Um a um, entravam personagens vestidos extravagantemente e faziam a sua "dança/performance" com um entusiasmo inegável. Um MC ia dando incentivo aos artistas. Só depois me fui informar do que estava a assistir. Percebi então que era um "Voguing Ball". 

Paris saiu à rua nesse fim de semana que iniciou o mês de dezembro com um propósito. Várias entidades uniram-se na luta conta a Sida. Debates, animações, exposições, comemorações e uma manifestação foram os meios escolhidos para expressar a necessidade de prevenir, pôr fim às contaminações, melhorar a qualidade de vida dos pacientes seropositivos e lutar contra os obstáculos de acesso aos seus direitos. Isto para mim representa que Paris não é só glamour e beleza e, como todas as cidades à sua escala, tem problemas sérios. Uma das iniciativas promovidas por uma associação chamada Act-Up foi precisamente este "ball" a que tinha assistido.
Agora sei o que é o "Voguing". Depois de alguma leitura e a visualização de um filme chamado “Paris is Burning”, percebi que o movimento começou nos anos 80 em Nova Iorque. Nasceu entre as comunidades gays, latinas e negras. Como reflexo de um sentimento de rejeição pela sociedade, reuniam-se em "balls", onde o espectáculo lhes possibilitava um estatuto, embora breve, de estrelato. Os "balls" eram para eles o atravessar do espelho para o país das maravilhas. Eram uma possibilidade de integração numa comunidade de outros iguais a eles. Podiam não ter onde dormir ou o que comer, mas aí viviam numa fantasia. A fantasia de serem famosos, como nos Óscares ou numa passerelle de modelos. Os "balls" eram a chave para ser o que queriam ser: Eu vim, eu vi, eu conquistei. Isto era um "ball"!

O "voguing" implicava muito investimento em roupas e acessórios e passava pela avaliação de um júri: as roupas tinham que corresponder à personagem interpretada, havia muita exigência na postura corporal e no "realness" (parecer o mais real possível). Dos "balls" surgiram as “houses”, que acolhiam os jovens rejeitados, marginalizados ou que fugiam de casa devido à sua orientação sexual. As “houses” eram geridas por “mothers”, e pertencer a uma era sinal de estatuto.

O nome "Voguing" vem da revista “Vogue” porque os movimentos tiveram como inspiração a pose das modelos da revista. O "voguing" foi evoluindo e é hoje uma dança moderna baseada em posições típicas de modelos com movimentos que procuram evidenciar as linhas perfeitas do corpo e posições difíceis. Tornou-se conhecida pela canção "Vogue" de Madonna, e as coreografias continuam a ser utilizadas em videoclips musicais. Estas práticas podiam trazer muitos dissabores. Para comprarem as roupas, alguns dos participantes recorriam à prostituição e estavam mais expostos à contaminação pelo vírus da sida, e também eram vítimas de discriminação, violência e homicídio.

Se quiserem saber mais sobre o "voguing" vejam: 

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